A dama dos olhos azuis

Alexandre Souza
6 min readJun 21, 2021

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Pouco após o pôr do sol, depois de um dia cheio, logo após ter feito uma longa viagem e esperado um ano e nove meses, eu estava ali, naquele carro, pronto para me encontrar com ela.

Quem é ela? A dama dos olhos azuis. Ela que era uma estranha, mais uma como mil milhões de outras garotas, vivendo sua vida longe de mim e sem nunca ter pensado em nós, mas que foi entrando, e cativando, e desfilando seus sorrisos, seus olhares, seus temores, seus amores. Ela que não me desperta rancores, nem que me faz ficar agoniado, mas que ao som da sua voz, me faz ficar todo besta, abobalhado.

Dentro do carro, eu já começava a ser feliz, dizia comigo “verei minha dama” e depois de olhar o relógio, liguei o carro e pus-me a sair.

“TITITITITIC”

O carro parou, o freio de mão ficou emperrado e eu não conseguia baixá-lo. Fiz força uma, duas, três vezes e não consegui. Na verdade, piorei tudo, pois tentando descer o freio, no contramovimento o fiz subir ainda mais. Estava preso e parecia que depois de ter andado tanto e ter cruzado o país, ficaria ali preso, a 10 minutos e poucos quilômetros de rever a dama dos olhos azuis. Ó mundo cruel!

Parei, pensei e me decidi, liguei pra ela e disse que estava com um problema, mas logo estaria ali. Falei com a dona do carro — o veículo era emprestado — e pedi que me ajudasse. Fizemos de todas as formas e não consegui mover o freio um milímetro de sua posição fixa. Não tinha jeito, era chegada a última opção: o guincho.

Já desanimado e me perguntando porque justo agora estava com esse problema, liguei para minha dama e perguntei se ela teria a graça de vir até mim. Com certa dúvida na voz, ela prontamente atendeu o pedido e em 20 minutos estacionava perto dali.

“TRIMMMMMMM”

Tocou meu telefone. “Joaquim, estou aqui”, disse ela pra mim. Abri a porta, saí do carro e com pouco esforço os mais de 600 dias que nos afastavam acabavam por ali. Era ela, a minha dama.

Não conseguia acreditar nos meus olhos. Ela usava uma meia-calça e um vestidinho com vários triângulos em cores terrosas, um sapato preto fechado e aquele sorriso que há muito não via. Era como se todo o custo da viagem deixasse de existir, como se o carro não tivesse mais problema ou como se estivesse no único lugar do mundo que os anjos paravam para assistir.

Caminhando passo a passo ela foi chegando e quando faltava cerca de 5 metros correu até mim. Abri meus braços e nossos peitos se uniram. Ela começou a falar, mas eu não ouvi nada, só conseguia ficar em silêncio sabendo que estava ali, no único lugar que queria. O tempo dormiu e eu posso afirmar que por alguns segundos o relógio congelou. Eu e minha dama estávamos juntos de novo.

Ela disse que eu estava com o braço muito forte e de repente pensei que poderia estar lhe esmagando no abraço. Logo recuei e me afastei dela até que percebi que era apenas uma brincadeira. Ela estava gozando do meu infortúnio com o freio de mão.

Poderia discorrer sobre o que ouvi, mas a ti, leitor, não interessa ouvir, interessa sentir. Entramos no carro e ficamos a esperar a chegada do guincho.

Eu não conseguia me acostumar com aquilo. Depois de meses tendo apenas sua voz, seus textos e seus pixels frios de vídeo-chamadas, ela finalmente estava ali e eu via seu rosto, seus olhos e seu corpo com o olhar de uma criança que descobria algo novo.

Infelizmente, estávamos ali apenas como amigos e ao ver sua mão parada sobre o vestido não me contive. Levei a minha até a dela e segurei-a como se fôssemos um casal de noivos apaixonados saindo para se divertir. Minhas mãos sobre as dela foram esquentando e começaram a suar. Sinto que estava quente demais para manter o toque, mas não iria soltar. Nunca, pois talvez ela não quisesse pôr novamente e perderia a única lembrança que levaria do meu amor e me certifiquei de ficar o máximo que podia.

Pouco depois, olhei pra ela e disse que era muito bom tê-la comigo e abracei-a de novo, beijei sua bochecha e perguntei a Deus se poderia atrasar o guincho por mais uns minutos para que pudesse ficar ali. Foi como ver a mais bela obra de arte do mais hábil pintor.

Depois de 40 minutos, nos perguntamos se o guincho chegaria e ligamos. Ele tinha feito um engano e estava a poucas quadras do carro e assim, poucos minutos depois da ligação, ele virava a esquina para salvar nosso veículo entravado.

O homem tinha um ar de experiência com carros e com uns batuques aqui e acolá, com uma chave de fenda e um pouco de brutalidade, ele fez o freio de mão cair e libertar o carro de sua prisão.

Ela se alegrou comigo e perguntou se agora sim eu tinha aprendido como fazer. O homem do guincho riu e me decidi a aprender mecânica para nunca mais fazer minha mulher passar por isso. Apesar do problema ter me feito tê-la no carro, pertinho de mim, é frustrante não saber o que fazer quando o carro e sua dama precisam de ti.

Agora, com os motores postos à prova, dirigimos até um McDonald’s e comemos um pouquinho enquanto ríamos e falávamos da vida e das coisas que nos faziam refletir.

Infelizmente a hora dela tinha acabado e precisávamos sair dali, mas não antes de tirar nossas fotos e ter mais uma experiência engraçada.

Perto de um painel florido, a dama celeste puxou o celular e logo uma senhora simpática nos perguntou se queríamos que tirasse a foto. Aceitamos e logo a fotógrafa se empolgou. Nos pediu poses, mudou os cenários e no fim disse para ficarmos mais juntos e dar um beijo para a câmera. Nessa hora, a risada rachou e a minha mocinha, que tinha meus braços envoltos em sua cintura, corou até ficar como uma rosa. Brinquei e disse que apoiava a ideia, mas obviamente não nos beijamos e com o aviso de que o dia tinha acabado, voltamos ao carro.

Ficamos juntos entre os dois carros. Ela repousava sua cabeça em meu ombro e meus braços a cercavam. Aqui, sentia como se nosso abraço fosse perfeito, como uma chave que entra na porta, como uma tampa se fecha na panela e mais uma vez o tempo parou. Eu e ela, a dama e o vagabundo.

Nessa dança parada ela me disse que depois do nosso afastamento, conheceu um rapaz e havia um interesse entre ambos. Obviamente fiquei sem norte. Eu sabia que isso iria acontecer, mas esse é o tipo de notícia que por mais que você tente ficar bem, dói!

Contei a ela do meu amor e repensamos o que nos levou até ali: um abraço perfeito que em breve deixaria de existir para dar lugar a dois estranhos.

Infelizmente relógios não param de verdade e essa noite de sonhos acabou. Cada um entrou em seu carro e foi pra sua casa. Ela eu não sei, mas de mim, somente as mãos e olhos guiavam aquele volante, pois todos os meus pensamentos e o meu coração todinho estavam longe, estavam dentro do outro carro, sentados ao lado da dama dos olhos azuis e imaginando que esse sonho de uma noite se tornasse uma vida inteira.

Talvez nossos caminhos se encontrem novamente, talvez tenham se separado pra sempre, mas é melhor deixar essas histórias para outro escritor, pois de mim, chega! Basta o amor.

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Alexandre Souza

Um crente professor de educação física que gosta de escrever, mas escreve pouco..